Grandiosa e imponente, erguida em um dos pontos mais movimentados da Capital, a Catedral Basílica do Senhor Bom Jesus de Cuiabá atrai centenas de fiéis e admiradores todos os dias.
Seja pela simbologia e espiritualidade, ou pelo esplendor da arquitetura e do design. O que muitos desconhecem é a identidade das ilustres personalidades sepultadas no subsolo da construção. Segundo o padre Deusdédit de Almeida, de 68 anos, todas as catedrais possuem criptas, onde são sepultados os bispos, arcebispos e prelados (título dos altos dignitários da Igreja) da cidade. Em Cuiabá, há ainda duas exceções a essa regra e que estão sepultados no local: a dos fundadores dos arraiais da Forquilha e do Bom Jesus de Cuiabá, que deram origem à cidade, Pascoal Moreira Cabral e Miguel Sutil de Oliveira.
Ali estão os fundadores da cidade em reverência, gratidão e reconhecimento pelo que fizeram. Estão ao lado dos bispos e arcebispos que viveram aqui”, afirmou Deusdédit. Ao todo, são nove as personalidades enterradas na capela, usada para celebrações de casamentos, batizados, missas e até palestras. O local é parada também para excursões de escolas, pesquisadores e documentaristas atrás da história da edificação.
Assim que entramos no salão, uma porta à direita dá acesso ao lance de escadas que levará à capela. Ornamentada como outras, com bancos nas laterais e um altar ao fim do corredor, o sepulcro das personalidades fica disposto, um em cima da outro, do lado direito da parede. Com lugar para 27 sepulturas, logo vemos centralizadas, em cada um dos compartimentos, as lápides dos que ali estão. Alguns deles com fotos, outros apenas com os nomes, datas e contribuição para a cidade.
Talvez um dos nomes mais conhecidos seja o de Dom Francisco de Aquino Corrêa. Nascido em Cuiabá, ele foi poeta e orador sacro, político, sacerdote e arcebispo da Capital. Dominando quatro idiomas – português, latim, italiano e francês – fez parte da Academia Brasileira de Letras e era chamado de o “príncipe das letras mato-grossense”. O padre Deusdédit descreveu a Catedral como um “refúgio”, um “oásis de espiritualidade”. “É um local de encontro das pessoas, vem gente de todo lugar. O Senhor Bom Jesus, aquele que distribuiu as graças, uma fonte inesgotável”, afirmou. “Dificilmente, alguém que passa pelo Centro não passa aqui para rezar uma Ave Maria, um Pai Nosso, para pedir uma graça”, acrescentou. Demolição e translado Apesar de ter sido fundada em 1722, pelo capitão-mor Jacinto Barbosa Lopes, a estrutura de hoje não conserva sequer uma parte da construção da época. Foram mantidas apenas as imagens mais significativas, como a do Senhor Bom Jesus, a cruz central do altar principal e a imagem de Nossa Senhora da Imaculada Conceição. A igreja foi implodida com dinamites no ano de 1964 devido às diversas rachaduras presentes na estrutura. Projetada com um olhar para o futuro pelo arquiteto Benedito Calixto de Jesus, foi reconstruída com um estilo mais moderno e inaugurada em 24 de maio de 1973, após quase 10 amos de obras. “Ela está no rool das catedrais mais bonitas do Brasil, do ponto de vista da linha arquitetônica e da beleza, mas perdemos aquele lado da história. Até hoje tem pessoas, os mais antigos, que ficam inconformadas com a demolição, mas nós não podemos ficar chorando o leite derramado”, afirmou o padre, que a época ainda era um seminarista.
Durante esse período, antes da demolição, os corpos sepultados na Catedral foram transladados para o Santuário Eucarístico Nossa Senhora do Bom Despacho. Os restos mortais ficaram lá até a obra ser concluída, depois voltaram à catedral. Segundo Deusdédit, devido ao velório mais longo, em decorrência das homenagens, os corpos eram embalsamados, ainda assim de maneira muito “artesanal”, “primitivo”, conforme a tecnologia da época. Ao todo, são 300 anos de história, sendo que quase 50 deles já são contadas a partir das novas paredes e estruturas da edificação. Fundadores Fundador de Cuiabá, Pascoal Moreira Cabral morreu no ano de 1724 e foi enterrado em Sorocaba (SP). A pedido do bispo da época, seus restos mortais foram trazido para a Capital em 1727, na primeira Capela do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. O bandeirante paulista deu início às suas excursões em 1682, em busca de índios para escravizar. Ele acabou “fracassando” na missão e terminou por encontrar ouro, junto de outro bandeirante paulista, Miguel Sutil de Oliveira. No ano de 1722 Sutil encontrou minas de ouro à beira do córrego da Prainha, inicialmente batizada de “lavras do Sutil”, vindo depois a receber o nome de minas do Senhor Bom Jesus do Cuiabá. Miguel Sutil viveu até 1755 e foi transferido para a Catedral em 1975. Personalidades eclesiásticas Dentre as outras sete personalidades sepultadas na Catedral, está o primeiro prelado de Cuiabá, Dom Luis de Castro Pereira. Nascido em janeiro de 1768, ele viveu até agosto de 1822, como presidente da junta governativa da província de Mato Grosso.
O Frei José Maria de Macerata foi capuchinho e segundo prelado da Capital entre 1823 e 1826. Ele foi administrador apostólico da Diocese de Cuiabá e faleceu em 1846. O primeiro bispo que a cidade viu foi Dom José Antônio dos Reis, que fundou em 1858 o Seminário da Conceição. Localizada na Colina do Bom Despacho, no Bairro Dom Aquino, a propriedade hoje abriga o Museu de Arte Sacra, considerado um dos principais prédios do patrimônio histórico de Mato Grosso. Ele morreu em outubro de 1876. Dom Carlos Luiz D’Amour foi o segundo bispo e arcebispo de Cuiabá, vindo a falecer em julho de 1921. Autor de 40 pastorais, por suas contribuições foi eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em outubro de 1892. Dom Francisco de Aquino Corrêa viveu entre os anos de 1885 e 1956. Desde muito jovem demonstrou amor pelos estudos e a vocação religiosa. Depois de se graduar em Humanidades, ingressou no Noviciado dos Padres Salesianos de Dom Bosco em Cuiabá, se ordenando como sacerdote em 1903. Quando voltou de Roma, já ordenado presbítero, foi nomeado diretor do Liceu Salesiano de Cuiabá. Função que ocupou até se tornar bispo auxiliar com apenas 29 anos, tornando-se o mais jovem do Mundo no cargo. Depois disso, em 1922, assumiu como arcebispo da Diocese de Cuiabá. Dom Orlando Chaves S. D. B., morreu em 1981, com 81 anos, tendo dedicado 54 deles à vida religiosa. Conhecido nacionalmente como “apóstolo das vocações” por empreender uma grande campanha no País em favor das vocações sacerdotais e religiosas, ele atuou como bispo de Corumbá e arcebispo de Cuiabá. A última das personalidades a ser sepultada na cripta foi o arcebispo emérito Dom Bonifácio Piccinini, em 2020, aos 91 anos. Ele foi o quinto arcebispo metropolitano de Cuiabá e ocupou a função entre 1981 e 2004. Nos mais de 45 anos dedicados ao sacerdócio, Dom Bonifácio participou da construção de mais de 200 igrejas espalhadas em todo o Estado. Seu lema episcopal, registrado em sua lápide, é: “Bonum facere parvulis” (fazer o bem aos pequeninos).
COMMENTS